domingo, 22 de maio de 2011
"LULA CORTÊS & ZÉ RAMALHO"
A primeira vez que o Brasil ouviu Zé Ramalho da Paraíba foi na voz de Vanusa, que gravou a canção Avohay em seu disco “Vanusa - 30 Anos”, em 1977, pela Som Livre. Um ano após, já sem o ‘Paraíba”, Zé Ramalho ganhou as paradas nacionais com sua enigmática e encantadora mistura sonora. Antes disso, noi entanto, tão fantástica quanto suas letras, a história de Zé Ramalho registra a gravação de um disco que ficou perdido nos escaninhos do tempo.
Trata-se do raríssimo álbum duplo “Paêbirú”, creditado a Lula Cortês e Zé Ramalho, gravado entre os meses de outubro e dezembro de 1974, na gravadora Rozemblit, em Recife (PE). Com eles, estão Paulo Rafael, Robertinho de Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros. Na época, Lula Cortês tinha em seu currículo o álbum “Satwa” (1973), que trazia canções com título como “Alegro Piradíssimo”, “Blues do Cachorro Louco” e “Valsa dos Cogumelos”. Zé Ramalho, já tocando com Alceu Valença, tinha em sua bagagem a experiência de grupos de Jovem Guarda e beatlemania, como Os Quatro Loucos, o mais importante de todo o Nordeste.
Clássico do pós-tropicalismo, com (over)doses de psicodelia, o álbum trazia seus quatro lados dedicados aos elementos “água, terra, fogo e ar”. Nesse clima, rolam canções como o medley “Trilha de Sumé/Culto à Terra/Bailado das Muscarias”, com seus13 minutos de violas, flautas, baixão pesado, guitarras, rabecas, pianos, sopros, chocalhos e vocais “árabes”, ou a curta e ultra-psicodélica “Raga dos Raios”, com uma fuzz-guitar ensandecida. E, destaque do álbum, a obra-prima “Nas Paredes da Pedra Encantada, Os segredos Talhados Por Sumé” (regravada por Jorge Cabeleira, com participação de Zé Ramalho), com seu baixo sacado de Goin’ Home dos Rolling Stones sustentando os mais pirados 7 minutos do que se pode chamar de psicodelia brasileira.
O disco por si só é uma lenda, mas ficou mais interessante ainda pelas situações que envolveram a sua gravação. A gravadora Rozenblit ficava na beira do rio Capiberibe, e o disco, depois de gravado, foi levado por uma das enchentes que assolavam a região. Conta a lenda que sobraram apenas umas trezentas cópias do disco, hoje nas mãos de poucos e felizardos colecionadores, muitas das quais no exterior, onde foram parar a preço de ouro. Contando com a co-produção do grupo multimídia Abrakadabra, o disco trazia um rico encarte, que também sucumbiu ao aguaceiro.
Hoje “top 10” das paradas de CDr no país e ítem valioso no mercado internacional de raridades psicodélicas, o álbum segue misteriosamente inédito no mundo digital. Com isso, a indústria dicográfica brasileira perde uma boa oportunidade de provar que se preocupa um pouco mais do que com o tilintar da caixa-registradora. “Paêbirú”, que quer dizer “o caminho do sol” (para os incas), poderia ser o primeiro de uma série de raridades a ganhar a luz do dia, para ocupar uma fatia de mercado que, se pequena comercialmente, é fundamental para a preservação da cultura musical brasileira.
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